16 de dezembro de 2011

Fonte dos Desejos

Empobreci. Graças! Graças! Não me sobrou um tostão para um anseio paralelo ou futuro. Mas a preocupação é ínfima, se comparada à expectativa de felicidade, mesmo que não merecida. Esse é o grande trunfo das fontes. Não há julgamento, conceito - pré ou pós. Há o bater mais forte do coração, a esperança, e, admitemos, a resignação, se, no fim, o mísitico tornar-se inadimplente. Eis o risco. Não há a quem cobrar. As peças metálicas sob a pressão das águas e apoiadas pelo mármore secular ficarão lá para sempre, ou pelo menos até um pobre coitado faminto coletá-las. Os meus pedaços, porém, ninguém coletará. Servirão de aviso para os jovens desentendidos ou para os corações desesperados. Sem delongas, meu desejo é que seu prazer me acompanhe para todo o sempre, uma vez que em meu corpo nada disso resta.

7 de novembro de 2011

Autótrofo

És como um Oroboro de significado deturpado. Não há religiosidade, misticismo ou qualquer doutrina de salvação e renovação no ato de alimentar-se de si próprio, em dor e tristeza, que são a matéria e a forma de tudo que se permite ser. Quanto mais produz, mais consome, quanto mais se tem, mais se quer, quanto mais dolorosa a pancada, mais digna a vida. Nem as pessoas que ama e para quem vive, por não poder viver por e para si próprio, uma vez que é pura grama, pura carne e puro nutriente, seriam capazes de mudar sua condição de incurável mártir. A piedade se converte em orgulho facilmente, e tu estraçalha-se com mais voracidade, na esperança de que não haja tempo para reconstituição e se desvaneça no incompreensível. Mas vítimas não cessam pragas. Se não doessem, de que serviriam os castigos? Como uma serpente sagrada ou um cão negligenciado, morde a própria calda e a boca cheia não o permite gritar de dor.

3 de novembro de 2011

Banquete

Pela primeira vez, talvez, uma faina consciente. Uma ânsia prazerosa acompanhada da esperança de satisfação. Chamem de fusão, conjugação, mas a mim parecia um único corpo que, dividido em dois por uma mente malévola ou desentendida, se contorcia para retornar ao seu estado uno. Um esforço que não carece de energia, lágrimas invisíveis, uma sutil indiferença ao desprezo de uma parte pela outra, de um meio corpo pelo outro, que me disseram ser falta de amor próprio. No alto da mais alta montanha, eis que tardiamente descubro que a mente sádica de ninguém mais era que do próprio ser com quem lutava prazerosamente. Não tive tempo para me preocupar com o empurrão e a iminente queda. Em minha cabeça repetiam-se as cenas e eu me matirizava por ter achado ser a metade correta, quando era o corpo errado.

17 de outubro de 2011

O muro

O impacto do crânio ao chocar-se com a parede e a expectativa dum prêmio por suportar dor tão terrível. A tão esperada recompensa não veio. Só o verde cresceu cobrindo tudo, as más sementes. Os lábios tardaram, mas ressecaram. E eu não cresço, retraio. Não quebro a parede, porque dela faço parte. Findo o prazo, consuma-se a praga. Cá estou eu, objeto.

26 de setembro de 2011

Das olheiras

Não é que perco noites, durmo demais. Contribui-me para a "boa" aparência aquelas músicas que todos odeiam e que me alimentam, aquelas histórias que a todos arrepiam e que a mim excitam. Aquelas donzelas corajosas que encaram a morte como se duma amiga íntima se tratasse, ah, a essas eu me entrego, dum modo que somente Edgar conseguiria, ainda que jamais o tenha feito. Essas vozes, que penetram a pele e estremecem os ossos, de divino e satânico compõem-se. Os graves e agudos, aqueles lamentos e choros baixos ao fundo e essa resignação ao mais profundo de cada sujeito, eis minha atual fonte de prazer. O usufruto em mim manifesta-se como no demônio de olhos roxos da poesia abandonada. Daí minhas olheiras.

25 de setembro de 2011

Roots

Onde a beleza se manifesta no mórbido e no putrefato, eis meu lugar. Onde o verde grama e a noite roxa se combinam para pintar o quadro perfeito e ornar a imagem da donzela de trajes pretos que adorava cair e cessar a respiração em respeito aos vivos. Eis a noiva perfeita, que me daria excelentes filhos e seria uma digníssima mãe. Mesmo em inércia eterna, exerce sua autoridade. Nosso leito é gelado, e nossa prole enxerga melhor no escuro. Vivemos onde sempre é noite e onde ninguém tem pressa. E se me perguntar onde me achar, eu responderei: "Look for me in the white forest, hiding in a hollow tree".

20 de setembro de 2011

Verborragia nº 1

Atrever-se a usar o verbo sentir, e ser obrigado a sucumbir às dores triviais, do rancor que comprime veias ao abrir a janela e ver. Ver menos que Aurélia em seu simplório século. Grande tempo de sensualidade? Pff! Grande tempo de vomitar, que enjôo é só o que causa esse desfile de atributos invejáveis. Invejáveis não pela forma, menos pela matéria, mas por um sentimento desconsiderado. Que eu me amasse incondicionalmente. Que você me amasse só um pouco que fosse. E que o mundo amasse a si próprio, ainda que o mínimo, para nos permitir  viver em suas florestas geladas e silenciosas, como nas ilustrações dos contos de fada, onde o feio disfarça-se em beleza, e tão bem engana, que não incomoda, e passa, e satisfaz a necessidade da visão. Pronto! Está decidido. Uma cabana semi-luxuosa, feita de tijolos e madeira, decorada com objetos modernos e antigos, frio natural e calor artificial, silêncio, que é o principal, piscina, e toda a floresta em volta, como no sonho da garota que queria crescer e fazia a água ferver. O anoitecer curaria todas as minhas feridas. Eu nasci para o gelo e para o escuro. A luz, portanto, também me serve para valorizar sua ausência.

8 de setembro de 2011

O corpo na água

Dois colos conjugados não bastariam. No mínimo um oceano, cuja superfície de vidro me refletiria mórbido, de olhos abertos n'água, para amedrontar crianças, beatas e donzelas de vestidos esvoaçantes. Há uma eternidade de conforto das minhas costas ao abissal, e um universo de terror do meu rosto adiante. Por isso ocasionalmente fecho os olhos, não pra não assustar, mas para eu próprio não morrer duas vezes, de susto. Por silêncio e calmaria eu pago a fortuna que não tenho, mesmo correndo o risco de perdê-los sem sequer pestanejar. Atrevo-me, porém. Estou em posição tal que as vibrações da água me alcançam não forte o suficiente para me desestabilizar, nem com suavidade tamanha de modo a não me fazer sentir que mesmo putrefato, ainda vivo.

31 de agosto de 2011

Retração

Bom seria se a vida saísse pela boca, como o coração, na expressão corriqueira. Pois na vigília dos anos, o que não se explica, ameaça. Vez é bom, quase sempre é ruim. Nunca se sabe do que se vê, mas o que se vê não precisa pensar duas vezes para soprar fumaça em face alheia. Fumaça é o de menos. Via de regra, pau e pedra fazem as vezes de escudo. Disse uma vez que se mata por medo ou sadismo. Dos dois, não sei a razão pela qual me matam muito e um pouco a cada dia. Se houver terceira razão, talvez eu encontre sentido. Vida pressupõe socos no queixo, por isso pena é só o que sinto por quem é feliz e não se questiona. Por isso amo quem despreza essa bruxa elegante que a tudo dá fôlego. Por isso invejo quem passa por pontes com olhares serenos e tocam com dedos suaves mas decididos as altas sacadas de arranha-céus. No fim das contas, estavam certos os poetas raivosos: "I'm safe here in my room, unless I try to start again".

29 de agosto de 2011

Incubus

Demônio disfarçado em carne, não contente em invadir somente sonhos, resolve roubar-me os momentos de sossego na vigília. Há justificativa no tremor das pernas e no apertar da traquéia. Basta o traçar duma linha invisível, de pupila a pupila, por milésimo de segundo, e o serviço está feito. Pilares e muralhas milenares ruem. Mil mãos apertam o coração com toda força num frenético dançar de braços. Braços cujos caminhos conduzem a um pescoço majestoso e a uma cabeça ornada por fios indescritivelmente perigosos, preenchida por olhar lupino e arcada felina. A volúpia que dessa clara confissão de masoquismo resulta é purificador. Dor emocional, prazer carnal - ou vice-versa. Deve-se extrair o máximo de benefício que essa situação pode proporcionar. O sofrimento converte-se em ganha-pão, mas o contrato de infelicidade não admite recisão.

18 de agosto de 2011

Non-serial killer

Nem sempre é matar ou morrer. Para nós, no mais das vezes, é matar, somente. Olhei para o pequeno inseto abatido por metros, agonizando no assoalho, e pus-me a especular se tolheria sua vida ou não. Decidi que não. Mas o "não" não era mais forte que o medo de um ser inofensivo. É por isso que se mata? Por medo? Por sadismo também, deveras. Mas não sou sádico. Sou ordinário demais, até. Um acesso de loucura, talvez, assistir ao corpo decompor-se, em busca de cura para a apatia. A crueldade foi o ato em si, que busca absolvição na leva de justificativas que se me apresentam. Não ter sido capaz de conceder um velório decente a um ser muito superior a mim em qualquer aspecto só não é mais incômodo do que a constatação de que essa inferioridade que me imponho contradiz a massa de puro egocentrismo dos meus "semelhantes". No fim das contas, morrer não é, de maneira alguma, pior que matar.

17 de agosto de 2011

Carrara

Dores no objeto decorrem de força imposta pelo sujeito. Desconsiderou de que material fosse feito a massa em vias de solidificar-se. Pensasse talvez que fosse de qualidade superior, e ainda pensa, em verdade. Por isso não teve dó nem piedade ao empurrá-lo contra a correnteza, ao moldá-lo segundo seu ideal de perfeição. Um ideal grande-pequeno, por isso mesmo alcançável. Perfeição minha, acentuo. Não foram poucas as vezes em que pedaços caíram de tanto rebuscamento empreendido de forma falha. Colocasse-o de volta. Um pouco mais de cuidado. Uma dor mais aguda. Mas o resultado faria valer a pena. Ainda dói, não foi completamente finalizado. Quando deslumbrar a imagem perene de traços delicados, de conteúdo útil e severo, figurará entre as obras de perfeição do Partenón. 

13 de agosto de 2011

Auto-flagelo

A rotina é de trivialidades. Mas as consequências são de cinema. Semanas correm e acrescento marcas e marcas na parede. Cada uma representa um drama. Dramas naturalmente não duram segundos, mas aprendemos a estendê-los em auto-flagelação. Os choques são mais abruptos que rasteiras e mais dolorosos que qualquer dessas outras dores que tanto tememos. Mesmo quem não acredita em karma, interpreta os castigos como restauração de um equilíbrio instável, cujo lado positivo se encerra no acordar a cada dia. Eu penso que existir é o lado mais negativo de todos, só não pior do que desconhecer o não existir e não poder sabê-lo melhor ou pior. E do nascimento à morte, se tenta desesperadamente torná-lo suportável, com festas e jogos. Para estes, gritos desafinados não significam nada. Nem traços desconexos. A contradição é que a disformidade representa muito mais para quem busca sentido, do que para quem ignora e se entrega completamente.

11 de agosto de 2011

Sado-Maso

Persiste em matar-me aos poucos e regozijar-se aos montes da energia desprendida num ato de piedade tão mal visto. Se eu pudesse ver através da venda preta de listras brancas finas e diagonais e meu olhar de medo disfarçado em coragem excessiva encontrasse o seu, talvez eu descobrisse o sentido da vida, que se esvaía em cacastas de sangue do meu baixo ventre ao assoalho. Todos os instrumentos de tortura dispostos organizadamente sobre a fria placa de metal indiferente e estéril. Amordacei minha alma, de modo que não pudesse gritar. Em contrações involuntárias de bíceps, tríceps, quadríceps e qualquer outro músculo terminado em "ceps", experimentei a dor que, em você, se confunde com um prazer transcendente. Tudo me leva a crer que é tênue a linha que separa a dor do prazer, daí a dor-de-prazer que costumamos falar. Nos ultimos movimentos que experimento, procuro sua forte estrutura óssea, tão bem representada por uma mandíbula destruidora de expectativas. Da semi-escuridão ao total bréu, consegue desvencilhar-se de amarras um dos muitos dentro de mim, e grita para o vazio, de dor e desespero, e encontra um sorriso embassado, dissipando--se, em versos sussurados: "Sou tudo que jamais poderá ter".

6 de agosto de 2011

Ad aeternum

Vi seus rostos sorridentes e seus acenos de aprovação, e fui acometido por uma repentina vontade de esconder meu próprio sorriso, por mais artifical que fosse. Naquele momento, percebi que sorrir era uma obrigação. Já sabia disso, na verdade, mas a mecanicidade da prática me levou a esquecer. Lembrei também que sou alma inquieta que procura sentido para a vida e para tudo. Agora sei a origem do meu pessimismo. Não me desapego dele, que me faz tanto mal quanto bem, mas larguei de ser egoísta e substituí o mal que me proporciona por um outro bem de uma outra variável. Não consegui, de qualquer forma, abandonar minha pesquisa sem objeto e minha ânsia fadada à insatisfação. Causa e efeito seguem até o infinito. Trabalho tão árduo quanto aquele outro sobre o qual já falei, infrutífero, porém. Vai até o último ato, mas finda inacabado, em verdade.

5 de agosto de 2011

Over and over and over...

Dizem que quando muito se repete uma palavra, ela perde o significado. O meu processo é inverso, repito-a 100 vezes até que me diga algo. Me debruço incansavelmente sobre repúblicas e histórias diversas, percorrendo caminhos que, como num jogo, me obrigam a retornar ao início em caso de queda. Conhecimento que me recuso a adquirir por experiência. Força que me impele a ver sem, às vezes, enxergar. Culpa do desejo. Ânsia de término que me engana ao fazer-me crer que de uma forma ou de outra saberei de coisa qualquer que me torne ser valioso.

4 de agosto de 2011

Nosce te ipsum

Engana-se quem acha que cada um é um somente. Tolo quem culpa transtornos em lugar de aceitar a inebriante constatação de que naturalmente se travam verdadeiras batalhas dentro das paredes de células e sangue. Quem duvidará que no turbilhão de sentimentos experimentados encontram-se os mais radicais antagonismos, as mais evidentes contradições? Quem tem a ousadia de conceber um ser absoluto numa realidade cuja exteriorização objetivada tem o fundamentalismo como a mais letal das armas? Não percebe que o mesmo que ama detesta? Não vê que a mão que cura, amputa, que a amputação salva, e que nossa salvação finda? Senta-te e conversa consigo mesmo, que ninguém mais, além dele próprio, deu a Arquimedes a sabedoria que ansiava.

1 de agosto de 2011

When the sun goes down

Que pena! Era sonho apenas. Aquele sofrimento apaixonado que aceitei de bom grado. A certa distância, contemplo-te em seu átrio de solidão, enquanto aprecia o pôr do sol, interrompido por pilares de concreto. E prédios, em sua poesia moderna, me vertendo lágrimas, riscando o horizonte carmesim com sua elegância indiferente. Você, de tão solitário, belo, que dor no peito e ferida no coração causam. Há quem diga que já havemos conjugado. De início duvidei e logo depois pus fé. Piedade vem primeiro, arrependimento logo atrás, desprezo fechando o ciclo. Creio que nem me conheças mais, com pastas e rancor. Eu, da minha parte, me concederei o doloroso prazer, piegas talvez, de te amar ainda assim, em nome de sua cruel beleza e divinal existência.

29 de julho de 2011

Corpo interrompido

Um pequeno descuido, sonhos em pedaços. Um corte sutil, toda virtude comprometida. Uma vontade incontrolável, todos os reflexos desfeitos. Uma imagem de quase-perfeição. Uma incisão do umbigo ao pescoço, lágrimas vertem. Corpos imersos num lago de memórias perdidas, ou numa banheira de desespero instantâneo. Beleza exposta em inércia assustadora, tragicamente perene, contraditoriamente efêmera. Toques nervosos em carne mórbida. Suaves como plumas, frios como geleiras. Tão perigosos em sua incapacidade, tão dispostos a nada, e tão cientes de tudo que não sabemos. Lânguidos braços, pálidas faces. Terão encontrado o objeto de nossos anseios? Terão descoberto o significado de toda a energia gasta em mecânicas fórmulas de persecução de felicidade? Poderiam lábios ressecados contar-nos segredos? Beijar-nos antes que levem embora nossos sorrisos dos dias seguintes? Ou será que só de indiferença se constituem os corpos interrompidos?

28 de julho de 2011

Mil odisséias

Não parece que ainda ontem as respostas costumavam habitar a ponta da língua? Não se vê os invernos passarem, até que passem e sigam direto a um tempo em que não é mais possível contar os anos com os dedos das mãos. Agora se requer 1000 odisséias para satisfazer a mínima curiosidade. Séculos de trabalho árduo resultam em algumas dezenas de páginas que, via de regra, o mundo despreza, em troca de sábados ensolarados e domingos de falsas catarses. E ao longo da tortuosa passagem por mensuráveis quedas de areia, caminha-se e comenta-se que se é feliz, e se acredita nisso, mesmo quando se prega niilismo (inconscientemente, ressalte-se). Não se percebe o volume de neve aumentando progressivamente. Hoje, poeira no casaco, amanhã, lamentos nevrálgicos. Ponto! Não satisfizemos nossa sede de saber o suficiente.

26 de julho de 2011

Ócio destrutivo

O amontoado de derrota materializada que envolve-lhe os músculos acaba com qualquer romance, mesmo (e principalmente), aqueles ainda em fase de esboço. Nem as suas espáduas tão elogiadas serão capazes de salvá-lo se, por acaso, nessa corrida de egos, eu chegar primeiro, ou minha auto-estima, não importa. A ordem dos fatores não altera o produto, salvo, claro, quando compromete a homogeneidade minimamente planejada de afazeres e despropósitos que preenchem esse ócio involuntário e esse mormaço de angústias dos quais venho tentando escapar. Esqueci onde pus as chaves. Não sei se o tempo me permite encontrá-las antes que o sono nos derrube. Ajoelha e reza. Mais uma noite sob tortura, e eu jamais verei o sol nascer novamente.

25 de julho de 2011

Trabalho amargo

Manter um todo mais ou menos ordenado de modo que se possa formar uma imagem passível de ser compreendida por nossos olhos excessivamente mundanos é um trabalho realmente difícil e custoso. A instabilidade é crucifixo e o desprezo, meu demônio, carinhosamente alimentado a sangue e suor, leve-se em conta. Por essa pequena razão, necessito manter uma distância tal que sua energia não seja capaz de desnaturar minhas moléculas neutralizadas por insuficientes noites de sono e fins de semana em desertos de ruído. Neutras? Sim. Mais pela impossibilidade de não ser como Quasimodo do que por ter me conformado ainda nascituro. Não é tão difícil, meu caro, viver com pesar. Qualquer dia se aprende a seguir sem ele. Quem sabe assim se possa passar mais tardes sorrindo da janela; um sutil sinal de indiferença que extrai sua segurança da crença de que a raridade com que raciocinas não o permitirá notar absolutamente nada, até que eu me canse e feche a janela.

24 de julho de 2011

15 minutos no paraíso

Tentavas arduamente suprimir o gosto do álcool com tragos nervosos de tabaco e boa aparência. Tamanha benevolência era quase capaz de purificar toda a minha falta de amor próprio. Disse-lhe: "Tua beleza lhe concede carta branca. Podes me matar agora e jamais ir ao banco dos réus". Eu, que não bebo, me embriaguei de ti. E antes que o desprezo me assome, me deixa pegar em tua mão e em teu rosto. Rápido! Que já não é mais manhã. 15 minutos no paraíso me custam 15 anos no inferno.

Protágoras

Diz-me ela: "É melhor você parar enquanto pode. Qualquer dia vai acabar arrasado". Eu, numa errônea interpretação, tenho a ousadia de contestá-la, no torpor eterno ao qual alguns chamam de normalidade, os mais insatisfeitos ou os excessivamente conformados, alienação. Perdoa-me, que foi sem querer. Não uso encostos como desculpas. Além de pegar mal, soa brega. A justificativa da vez - foi inconsciente - pode ser verdade, pode ser mentira. "O homem é a medida de todas as coisas".

23 de julho de 2011

Início

Ares de cientificidade costumam cobrir tudo que escrevo. O que não quer dizer que seja ciência, mas somente que o autor é pretensioso (ou que é incapaz de fazer - ou querer fazer - de outra forma). E em sua desmedida ambição ou em seu impulso mercenário, desconsidera o dano e as feridas, as dores nas costas e nos calcanhares, a vista turva e a barriga vazia. Tal como um cavalo que persegue uma cenoura pendurada a uma vara erguida por quem o monta só enxerga o objeto de sua cobiça, necessita da coragem de outrem, da força de outrem, para derrubar o fardo em suas costas e fazê-lo perceber que os quilômetros percorridos em sua faina inconsciente não o levaram a lugar algum. Resta-lhe vencer o sentimento de tempo desperdiçado e retroceder, reaprender a sentir, a ver, a tocar e a ser tocado. E talvez assim, com todos os sentidos despertos pelo atrito da descoberta recém feita, sua libido saia do coma e Eros finalmente retorne ao lar.