26 de setembro de 2011

Das olheiras

Não é que perco noites, durmo demais. Contribui-me para a "boa" aparência aquelas músicas que todos odeiam e que me alimentam, aquelas histórias que a todos arrepiam e que a mim excitam. Aquelas donzelas corajosas que encaram a morte como se duma amiga íntima se tratasse, ah, a essas eu me entrego, dum modo que somente Edgar conseguiria, ainda que jamais o tenha feito. Essas vozes, que penetram a pele e estremecem os ossos, de divino e satânico compõem-se. Os graves e agudos, aqueles lamentos e choros baixos ao fundo e essa resignação ao mais profundo de cada sujeito, eis minha atual fonte de prazer. O usufruto em mim manifesta-se como no demônio de olhos roxos da poesia abandonada. Daí minhas olheiras.

25 de setembro de 2011

Roots

Onde a beleza se manifesta no mórbido e no putrefato, eis meu lugar. Onde o verde grama e a noite roxa se combinam para pintar o quadro perfeito e ornar a imagem da donzela de trajes pretos que adorava cair e cessar a respiração em respeito aos vivos. Eis a noiva perfeita, que me daria excelentes filhos e seria uma digníssima mãe. Mesmo em inércia eterna, exerce sua autoridade. Nosso leito é gelado, e nossa prole enxerga melhor no escuro. Vivemos onde sempre é noite e onde ninguém tem pressa. E se me perguntar onde me achar, eu responderei: "Look for me in the white forest, hiding in a hollow tree".

20 de setembro de 2011

Verborragia nº 1

Atrever-se a usar o verbo sentir, e ser obrigado a sucumbir às dores triviais, do rancor que comprime veias ao abrir a janela e ver. Ver menos que Aurélia em seu simplório século. Grande tempo de sensualidade? Pff! Grande tempo de vomitar, que enjôo é só o que causa esse desfile de atributos invejáveis. Invejáveis não pela forma, menos pela matéria, mas por um sentimento desconsiderado. Que eu me amasse incondicionalmente. Que você me amasse só um pouco que fosse. E que o mundo amasse a si próprio, ainda que o mínimo, para nos permitir  viver em suas florestas geladas e silenciosas, como nas ilustrações dos contos de fada, onde o feio disfarça-se em beleza, e tão bem engana, que não incomoda, e passa, e satisfaz a necessidade da visão. Pronto! Está decidido. Uma cabana semi-luxuosa, feita de tijolos e madeira, decorada com objetos modernos e antigos, frio natural e calor artificial, silêncio, que é o principal, piscina, e toda a floresta em volta, como no sonho da garota que queria crescer e fazia a água ferver. O anoitecer curaria todas as minhas feridas. Eu nasci para o gelo e para o escuro. A luz, portanto, também me serve para valorizar sua ausência.

8 de setembro de 2011

O corpo na água

Dois colos conjugados não bastariam. No mínimo um oceano, cuja superfície de vidro me refletiria mórbido, de olhos abertos n'água, para amedrontar crianças, beatas e donzelas de vestidos esvoaçantes. Há uma eternidade de conforto das minhas costas ao abissal, e um universo de terror do meu rosto adiante. Por isso ocasionalmente fecho os olhos, não pra não assustar, mas para eu próprio não morrer duas vezes, de susto. Por silêncio e calmaria eu pago a fortuna que não tenho, mesmo correndo o risco de perdê-los sem sequer pestanejar. Atrevo-me, porém. Estou em posição tal que as vibrações da água me alcançam não forte o suficiente para me desestabilizar, nem com suavidade tamanha de modo a não me fazer sentir que mesmo putrefato, ainda vivo.