13 de maio de 2014

Deslocamento

Começa assim, sutil. Não se percebe de imediato. Requer-se um tempo relativamente longo de desconforto, como uma premonição inconsciente ou como olhar, sem, no entanto, ver. A primeira constatação veio como um tiro no peito, com grande impacto e grande estrondo. Consistiu em um sentimento de deslocamento, como se jamais, em toda a minha vida, ou no máximo umas duas ou três vezes, eu estivesse tanto no lugar errado e na hora errada. Como se eu fosse uma mancha monocromática em uma tela  na qual foi pintado um arco-íris, corrompendo a homogeneidade e a beleza das formas. Em seguida, o peso da solidão, como se eu estivesse condenado a permanecer para sempre sentado neste banco de pedra do qual escrevo, sozinho, os lamentos que ninguém nunca vai ler. Eu seria esfaqueado pelo primeiro a quem eu dirigisse a palavra. Devo ficar aqui, como uma estátua cuja imobilidade esconde a tristeza, observando as juventudes sucessivas e o hit da moda. Agora vem o ódio, desprovido de perigo, posto que não tenho uma arma com a qual eu poderia me tornar a nova estrela do noticiário, o discípulo de Columbine, ou poderia até mesmo (o que é mais provável) tolher a minha própria vida, que nunca significou algo, e privaria os outros das dores da minha existência, de maneira que após as lágrimas de um possível (mas certamente momentâneo) luto, a vida prosseguiria em sua dança de indiferenças, no turbilhão das coisas que não saberei.

Um comentário:

  1. Rapaz, Raulzito dizia: "Eu que não me sento num trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, espeeeraando aa mooorte chegar". Pois bem, faça o mesmo!

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